Arte e Cultura

Nessa última seção, apresentamos alguns apontamentos sobre a cultura indiana em geral. No ramo das artes, apresentamos o Shilpashastra, tratado fundamental das técnicas artísticas e arquitetônicas da Índia tradicional; o teatro indiano é representado por Kalidasa (séc. +4), autor clássico que praticamente estabeleceu as regras narrativas das peças; a poesia tradicional é analisada em um tratado conhecido como Chandraloka, que examina as regras poéticas; regras essas que foram empregadas pelo poeta moderno Tagore (1861 – 1941), defensor das tradições indianas e da independência do país; a análise moderna de Tirtanka Chandra nos dá um quadro geral dessa civilização, em sua modernidade criativa; para completar, um pouco da medicina indiana tradicional presente no garuda purana.


95. Shilpa shastra, o cânone da arte indiana

Se uma formiga preta, um escorpião, uma formiga branca, a formiga vermelha, ou um fio de cabelo ser visto no poço, a casa construída sobre um tal sítio será consumida pelo fogo. Se um pouco de ouro, um sapo, um chifre de vaca, grãos de qualquer espécie, um tijolo, ou um pouco de prata ser visto no poço, toda a felicidade, prosperidade, e prazer, juntamente com uma vida longa e riqueza sem limites será encontrada na casa erguida sobre um tal sítio.
Há também presságios obtidos a partir de flores: -
No centro do local proposto, faça um poço de um côvado de profundidade, comprimento e largura. Preencha-a com água. Pegue uma flor em sua mão, medite sobre a divindade, então lance na água, e se ele flutuar rodando pelo lado direito para enfrentar o sol é um sinal de grande felicidade, riqueza, fama e honra. Se, no entanto, a flor flutuar pelo lado esquerdo, é um sinal de grande aflição, ansiedade contínua, e miséria inevitável. Uma casa não deve ser construída em tal local.
Há muitos presságios mais obtidos a partir de flores jogadas no poço, com referência ao ponto em que a flor permanece imóvel: -
Se a flor permanece imóvel no noroeste, o construtor será afetado por dezoito tipos de doença pulmonar; sua riqueza será tomada por outros, a morte deve levá-lo embora, e os demônios devem converter o local em um lugar para queimar os mortos!
Se a flor permanece imóvel no ponto norte, o construtor irá tornar-se rico, ele terá a bênção de filhos e de longa vida, ele deve ser reverenciado pelos veneráveis, e ser caridoso, sua casa será reverenciada e chamada de "Refúgio", ele será estimado como um santo!


96. O teatro indiano – kalidasa

...Mas Kama, vendo oportunidade para atirar sua seta, como uma mariposa que queria entrar no fogo, na própria presença de Uma (a) fazendo sua mira em Hara (b), disparou repetidamente suas setas.
Foi quando Gauri (c) presenteou o deus asceta residente na montanha e com mão clara como cobre, dando-lhe um rosário de sementes
de lótus do Ganges, secadas pelos raios do sol.
E o deus de três olhos (d) fez menção de recebê-lo, por bondade para com seu adorador; e o arqueiro-flor (e) pôs em seu arco a flecha certeira chamada "Fascínio".
Mas Hara (b) com sua firmeza um tanto perturbada, como o oceano quando a luz começa a ascender, manteve o olhar fixo na face de Uma, com lábios como a fruta bimba.(f)
E a filha da montanha (a), traindo sua emoção pelos membros como brotos trêmulos de kadamba, permaneceu de cabeça inclinada e rosto ainda mais encantador com seu olhar voltado para outro lado,
Foi quando o deus de três olhos, reconquistando o comando de seus sentidos perturbados, pelo seu poder de autocontrole, lançou os olhos em todas as direções, desejando ver a causa da perturbação de sua mente.
Viu o deus nascido da mente (d), seu punho cerrado erguido ao canto exterior de seu olho direito, seu ombro encolhido, sua perna esquerda encolhida, seu arco delicado dobrado em círculo, pronto a desferir a flecha.
Sua ira aumentada pelo ataque à sua austeridade, seu rosto terrível de contemplar com suas sobrancelhas arqueadas, de seu terceiro olho surgiu repentinamente uma chama brilhante.
Enquanto as vozes dos deuses do vento atravessavam o céu - "Contém tua ira, Senhor!”, o fogo nascido do olho de Bhava (b) reduziu o deus do amor a um monte de cinzas.
O desmaio causado pelo choque violento, impedindo o funcionamento dos sentidos, quase executou para Rati (g) um serviço bondoso e por algum tempo ela não soube do desastre ocorrido com seu marido.
Tendo esmagado rapidamente o obstáculo ao seu ascetismo, como o relâmpago destrói a árvore de uma floresta, ele, o asceta, o Senhor das Criaturas(b), desejando fugir à proximidade de mulheres, desapareceu juntamente com suas criaturas.
E a filha da montanha (a), pensando que o desejo de seu pai poderoso e sua própria forma encantadora eram inúteis, sua vergonha aumentada pelo pensamento de que seus dois amigos tinham estado presentes, desolada marchou com dificuldade para sua morada.
E enquanto seus olhos estavam fechados de medo à violência de Rudra (b), a Montanha tomou sua filha lastimosa em seus braços e como o elefante do céu trazendo um lótus preso aos colmilhos, partiu para diante, com membros grandes devido à pressa.
a) Esposa do deus Shiva e filha de Himavant (isto é, Himalaia)
b) Outro nome de Shiva.
c) Outro nome de Shiva.
d) Outro nome de Uma.
e) Kama.
f) Kama.
g) Um fruto vermelho.
h) Esposa de Kama, a volúpia personificada.


97. Estilos da poesia tradicional: chandraloka

Uma bela combinação de formas e idéias, semelhante a um colar, se chama ornamento poético, e se trata de algo conhecido ou advindo da imaginação de um poeta verdadeiro.
As palavras, que dão a matéria de investigação das pessoas sagazes, e cuja excelência reina neste mundo, resplandecem sobre a combinação chamada cheka, que é a combinação de vogais semelhantes, de consoantes semelhantes ou ambas.
Um discurso cheio de fonemas repetidos compreende a aliteração vritti, no que reside um livre jogo de repetições que surgem nas estrofes.
Uma repetição de palavras empregadas com intenções diferentes forma a aliteração lata. Por exemplo, uma vitoria somente é vitoria quando cessa o estrondo o inimigo.
Os espíritos justos e sagazes chamam de sphuta (evidente) a aliteração que consiste na repetição fixa de fonemas em uma meia estrofe ou em um quarto de estrofe....


98. Poesia indiana moderna: Tagore

O Último Negócio
Certa manhã
ia eu pelo caminho pedregoso,
quando, de espada desembainhada,
chegou o Rei no seu carro.
Gritei:
— Vendo-me!
O Rei tomou-me pela mão e disse:
— Sou poderoso, posso comprar-te.
Mas de nada lhe serviu o seu poder
e voltou sem mim no seu carro.

As casas estavam fechadas
ao sol do meio dia,
e eu vagueava pelo beco tortuoso
quando um velho
com um saco de oiro às costas
me saiu ao encontro.
Hesitou um momento, e disse:
— Posso comprar-te.
Uma a uma contou as suas moedas.
Mas eu voltei-lhe as costas
e fui-me embora.

Anoitecia e a sebe do jardim
estava toda florida.
Uma gentil rapariga
apareceu diante de mim, e disse:
— Compro-te com o meu sorriso.
Mas o sorriso empalideceu
e apagou-se nas suas lágrimas.
E regressou outra vez à sombra,
sozinha.

O sol faiscava na areia
e as ondas do mar
quebravam-se caprichosamente.
Um menino estava sentado na praia
brincando com as conchas.
Levantou a cabeça
e, como se me conhecesse, disse:
— Posso comprar-te com nada.
Desde que fiz este negócio a brincar,
sou livre.

......
[nesse poema, Tagore defende a independência da Índia]

Onde o espírito vive sem medo e a fronte se mantém erguida;
Onde o saber é livre;
Onde o mundo não foi dividido em pedaços por estreitas paredes
domésticas;
Onde as palavras brotam do fundo da verdade;
Onde o esforço incansável estende os braços para a perfeição;
Onde a clara fonte da razão não perdeu o veio no triste deserto de areia do
hábito rotineiro;
Onde o espírito é levado à Tua presença, em pensamento e ação sempre
crescentes;
Dentro desse céu de liberdade, ó meu Pai, deixa que se erga minha Pátria.


99. Moderna literatura indiana, por T. Chanda

As grandes figuras dessas literaturas vernáculas pós-independência são Mahasweta Devi, Nirmal Verma, U. R. Ananthamurthy e O.V. Vijayan. Escritores resolutamente individualistas, nos quais a sensibilidade pessoal dá o tom sobre as escolhas estéticas da comunidade.
Paralelamente, vemos um formidável movimento de democratização e de “desburguesamento”, com a chegada das mulheres e dos autores dalits (oprimidos), termo pelo qual os escritores da casta inferior, ou “intocável”, gostam de se designar. A subversão entra na literatura.
“Nasci quando o sol enfraqueceu / E lentamente se apagou / No abraço da noite / Nasci numa viela / Num trapo velho / Cresci como alguém com um parafuso a menos / Comi fezes e cresci. / Me dá cinco centavos, me dá cinco centavos / E pegue cinco palavrões em troca / Estou a caminho do santuário”, escreveu o grande poeta Namdeo Dhasal, resumindo em poucas palavras toda a opressão sofrida por sua comunidade.
Representando 24% da população, os “intocáveis” estão na base da estrutura de castas que vigora na Índia desde a Antigüidade. A poesia dalit nasceu de seu sofrimento e das lutas obstinadas de personalidades como mahatma Jyotiba Phule ou Bhimnao Ramji Ambedkar6 para conscientizar essas populações. Ela emergiu nos anos 1960, no estado de Maharashtra. Fala da humilhação cotidiana e clama por transformações. “Mesmo o sol deverá mudar”, escreveu Arjun Dangle.
Para esses autores, escrever não é apenas uma prática estética, mas também um ato político. Seu objetivo: derrotar a ordem hindu pela força do verbo. Inspirados na rebelião dos poetas negros americanos da Harlem Renaissance, fundam em 1973 o movimento Panteras Dalits. Aliam a prática poética a um ativismo político radical. Fundador desse movimento, Dhasal conhece a notoriedade com sua primeira coletânea de poemas, intitulada Golpitha. Seus poemas chocam o establishment literário pela crueza da linguagem e pelas evocações ousadas, onde se misturam a sexualidade, o desprezível e a revolta. Naipaul, que reencontra esse poeta rebelde nos anos 1980, pinta com admiração um retrato do personagem em sua narrativa de viagem Índia, um milhão de revoltas: “A grande originalidade de Dhasal está em ter escrito num estilo natural, utilizando as palavras e as expressões que serviam unicamente aos dalits (...). Seu primeiro livro de poemas foi escrito, especificamente, no idioma dos bairros de prostituição de Mumbai”.
As narrativas autobiográficas marcaram igualmente as letras dalits. Minha vida de intocável, de Daya Pawar, e Upra, de Lakshman Mane, são as obras-primas do gênero, marcadas tanto pela economia e eficácia da escrita quanto pelo valor testemunhal. São essas narrativas de vida que melhor dão conta do absurdo e do desumano das tradições e crenças.
Hoje, pode-se falar de um corpus realmente nacional da literatura dalit, com a entrada em cena dos escritores de língua tâmil, gujerati ou punjabi. Segundo Bama, a grande voz da literatura tâmil, autor do romance autobiográfico Sangati (A assembléia), “a literatura dalit é a única verdadeira literatura de libertação da Índia”.
Menos combativa, mas também subversiva, a corrente dos Digambara Kavulu (Poetas Nus) – na qual se destaca a poesia erótica de língua telugu, rica em imagens sexuais e vocábulos obscenos – abalou intensamente, na virada dos anos 1970, o elitismo da Índia profunda. Os poetas digambara eram tão provocativos que deixavam a promoção de suas primeiras obras a cargo das prostitutas, puxadores de riquixá e lavadores de pratos de restaurantes de beira de estrada. A elite brâmane, obviamente, ainda não se recuperou disso.


100. Medicina indiana tradicional, no garuda purana

Muitos capítulos sobre ayurveda (medicina) afirmam que Dhanvantari foi o originador do ayurveda e ele ensinou o Sushruta aos sábios. São estes ensinamentos que a Garuda Purana reproduz.
Há cinco etapas a qualquer tratamento médico. O primeiro é chamado nidana. Isso significa o diagnóstico de uma doença antes que os sintomas se manifestem. Isto se estende ao purvarupa. Esta é a fase em que os primeiros sintomas da doença começam a aparecer. Em seguida é rupa. Nesta fase todos os sintomas aparecem. A quarta etapa é upashaya. Isso envolve o tratamento da doença por meio de atividades de dieta, medicamentos e outros. A fase final do tratamento é samprapti; é a fase da recuperação.
Há muitos tipos diferentes de febre (jvara). A febre pode ser acompanhada por soluços, vômitos, erupções na pele, perda de apetite, preguiça e sonolência. Outros sintomas são dores de cabeça, dores no corpo, desmaios, insônia, delírio, sudorese e apatia. Esta é realmente a parte niddana de febre e, dependendo dos sintomas, tipos diferentes de febre com as suas causas são discutidas. Seguem-se seções sobre o nidana de pleurisia, tuberculose, problemas cardíacos, cirrose, problemas estomacais, hemorróidas, lepra, vermes, reumatismo e outras doenças.
Quais são os medicamentos a serem utilizados? Naturalmente, depende da doença, suas causas e da estação. Mais importante, depende se a doença é devido a um problema com Kafa (catarro), pitta (bile) ou vayu (vento), ou uma combinação dos três.
Um manual médico segue, com os medicamentos para doenças diferentes. Entre os ingredientes que são usados para fazer os medicamentos são priyangu (semente de mostarda preta), godhuma (trigo), pippali (pimenta), madhu (mel), bilva (uma fruta), Eranda (mamona), sarshapa (mostarda) , padma patra (folhas de lótus), kaksharah (a lentilha popularmente conhecido como khesari), Palanka (espinafre), dadimba (romã), keshara (açafrão), matulung (uma espécie de limão), haritaki (myrobalan), panasa (jaqueira) , draksha (uvas), kharjura (datas), ardraka (gengibre), Maricha (preto peper), himgu (assa-fétida), Saindhava (sal-gema), ghrita (manteiga clarificada), tita taila (óleo de sésamo), ikshu ( cana), Guda (melaço), takra (leitelho), yashtimadhu (alcaçuz), trifala (uma mistura de três myrobalans), Ashvagandha (a physalis planta flexuosa), nila (índigo), yavakshara (nitrato de potássio), sharkara (açúcar ), Haridra (curcuma), lashuna (alho), rasajana (a collirium), musta (feno-grego), shirisha (mimosa), ila (cardamomo), chandana (sândalo), devadaru (uma espécie de pinheiro), hastidanta (marfim ), laksha (lac), palasha (a árvore frondosa butea), tambula (folha de bétel) e Lavana (sal).

Nenhum comentário:

Postar um comentário