Economia

Do mesmo modo, a literatura indiana não deu muita atenção a questão da administração publica e do comércio; as informações que possuímos sobre as formas de regular essa atividade estão presentes, novamente, no Arthashastra. No entanto, a Índia moderna tem sido berço de teorias econômicas revolucionárias. Aqui, destacamos duas delas: a 1ª, de Muhammad Yunus (de Bangladesh, país que se separou da índia mas cujo extrato cultural é, essencialmente, indiano), criador do microcrédito, uma solução alternativa e humanista que tem resgatado milhões da miséria; e a 2ª, a luta de Vandana Shiva, líder do movimento ecofeminista, que defende uma articulação entre a cultura e a sociedade para a resistência ao capitalismo voraz. Vandana, como dissemos, utiliza as teorias de Gandhi sobre auto-suficiência e pacifismo para protestar contra a exploração camponesa, e busca conscientizar as mulheres (líderes das famílias indianas) a educarem seus filhos de modo a resistirem as falsas promessas do capital e da modernidade.


73. A regulação da agricultura no Arthashastra

Possuir o conhecimento da ciência da agricultura é lidar com o plantio de arbustos e árvores (Krishitantragulmavrikshsháyurvedajñah), assistir aqueles que são formados nessas ciências e, como superintendente de agricultura, deve promover no tempo correto a coleta das sementes de todos os tipos de grãos, flores, frutos, legumes, raízes bulbosas, raízes, pállikya (?), fibra e algodão.
Ele deve empregar escravos, operários e prisioneiros (Dandapratikartri) para semear as sementes em terras do rei que devem estar devidamente preparadas.
O trabalho desses homens não deverá sofrer por conta de qualquer falta de arados (karshanayantra) e outros instrumentos necessários ou de bois. Nem haverá qualquer atraso em sua aquisição, bem como no auxílio prestado por ferreiros, carpinteiros, escavadores (medaka), caçadores de cobras e trabalhadores do gênero.
Qualquer perda devido às pessoas citadas será punida com uma multa igual à perda.
A quantidade de chuva que cai no país de jángala é de 16 dronas; metade do que em países mais úmidos (anúpánám), como os países que estão aptos para a agricultura (désavápánam); - 13 ½ dronas no país de asmakas; 23 dronas em avanti, e uma imensa quantidade nos países ocidentais (aparántánám), nas fronteiras do Himalaia, e nos países onde os canais de água são feitos para o uso de na agricultura (kulyávápánám).
Quando um terço da quantidade necessária de chuva cai tanto durante os meses de início e encerramento da estação chuvosa, e dois terços no meio, então a chuva é (considerada) bastante (sushumárúpam). [...] Conhecendo as épocas certas e a estação das chuvas, o superintendente deve empreender a produção no campo; as falhas serão de sua responsabilidade, e dele depende a fartura e a riqueza do estado.


74. Regulando a vida comercial, do Arthashastra

Cabe ao superintendente (ministro) do comércio verificar se há demanda por vários tipos de mercadorias produzidas em seu país, os meios pelos quais são transportadas (terra ou água), e a variação de seus preços. É de sua responsabilidade decidir qual melhor época para vender, comprar, distribuir e armazenar esses produtos. O que tem saída fácil deve ser armazenado, para aumentar seu preço; e quando as pessoas aceitarem esse preço, um outro será planejado e fixado. Produtos locais devem ser guardados; importados, devem ser distribuídos. Ambos devem ser vendidos de modo acessível ao povo, e o soberano os protegerá da exploração gananciosa e dos lucros exorbitantes.
Não se devem estabelecer barreiras contra produtos de saída constante, que devem ser negociados e armazenados somente quando necessário.
[...] Ao negociar com mercados estrangeiros, deve buscar saber se há interesse nas mercadorias de seu país; se ao negociá-las, ele terá lucro; e se esse lucro valerá a empreitada. Deve distribuir lotes para que sejam negociados nesses mercados, e caso não seja bem sucedido, vendê-los de volta em sua própria terra, ou com lucros menores, para não ter prejuízos severos.


75. Muhammad Yunus e a luta pelo microcrédito

Eu não tinha qualquer intenção de conceder empréstimos, foram as circunstâncias que me levaram a isso. Estava a lecionar Economia, na Universidade de Chittagong, nos anos que se seguiram à independência do Bangladesh e havia muitas dificuldades. O país, em vez de progredir, estava a definhar e, em 1974, enfrentamos um terrível período de fome. Via pessoas a morrer à fome e estava frustrado, sem saber o que fazer para ajudar. Afinal, todas as grandes teorias de desenvolvimento econômico que eu ensinava não contribuíam para nós.
Era preciso olhar para o mundo como um ser abstrato, mas como se de uma pessoa se tratasse e tentar ser útil. Nem que fosse para uma só pessoa. Fui à aldeia mais próxima do "campus" universitário visitar os pobres e... foi assim que tudo começou. Vi como as pessoas sofriam, como estavam dependentes dos usurários que lhes emprestavam dinheiro, quase sempre montantes muito pequenos. Porque não fazer uma lista destas pessoas e tentar ajudá-las? Com a colaboração de alguns alunos, fizemos uma lista de 42 pessoas e chegamos à conclusão que o total de dinheiro necessário era de 27 dólares! Meu Deus! Andamos nós a falar de milhões e milhões de dólares para investir e desenvolver a economia do país e há pessoas que, apenas, precisam de um dólar.
Quando fez essa lista, foi à procura de pessoas que já tinham alguma habilidade ou vocação para trabalhar?
M.Y. - Não me preocupei com isso. O objetivo era saber quem estava dependente dos usurários. Todos os que tinham dívidas estavam na minha lista e, à data, não sabia o que ia fazer com essa lista. Quando vi o total fiquei chocado e o meu primeiro impulso, foi o de agarrar no dinheiro e dá-lo às pessoas. Não imagina como uma quantia tão pequena provocou tanta excitação e deixou tanta gente feliz. Então, porque não ir mais longe e emprestar mais dinheiro às pessoas? E isso levou-me ao banco, que recusou emprestar dinheiro a pobres sob o pretexto de que eles o gastariam todo em bens de primeira necessidade e seriam incapazes de reembolsá-lo. Além disso, não tinham garantias reais e as quantias eram tão insignificantes que o negócio não tinha interesse. Após seis meses de negociações, concordaram finalmente em emprestar-lhes dinheiro, mas tendo-me a mim como fiador. E funcionou! As pessoas pagavam regularmente os seus reembolsos e isso entusiasmou-me e encorajou-me a estender estes empréstimos a outras aldeias. Ao fim de algum tempo, pensei em criar um banco independente e propus a ideia ao Governo. Só obtive a autorização para criar o Grameen Bank dois anos depois, em 1983. Hoje, trabalhamos em 40 mil aldeias (de um total de 68 mil existentes no Bangladesh), temos 12 mil funcionários, emprestamos 2,4 milhões de dólares e 94% dos nossos clientes são mulheres. E o banco pertence-lhes...
Características do Grameencredit:
a) Promove o crédito como um dos direitos humanos;
b) Sua missão principal é auxiliar as famílias pobres a se ajudarem a superar a pobreza. É dirigido aos mais pobres, especialmente às mulheres pobres;
c) Uma das características que mais destaca o "Grameencredit" é que não é baseado em qualquer garantia real, nem em contratos que tenham valor jurídico. É baseado exclusivamente na confiança, e não no Direito ou em algum outro sistema coercitivo.
d) É oferecido no intuito de gerar auto-empregos, fomentando atividades que criem rendas para os pobres, ou ainda para a construção de sua habitação, ao contrário dos empréstimos destinados ao consumo;
e) Foi criado para enfrentar os bancos tradicionais, que rejeitam os pobres - para eles considerados "indignos de crédito". Em consequência disso, o "Grameencredit" rejeita a metodologia bancária tradicional e criou sua metodologia própria;
f) Oferece seus serviços na porta da casa dos pobres, adotando o princípio de que as pessoas não devem ir ao banco mas sim o banco às pessoas;
g) Para obter um empréstimo um tomador tem que se reunir a um grupo de tomadores, que ficam moralmente responsáveis por seu pagamento;
h) Os empréstimos podem ser obtidos numa sequência sem fim. Novos empréstimos tornam-se disponíveis se os anteriores estiverem sendo pagos;
i) Todos os empréstimos devem ser pagos em pequenas prestações, semanais ou bi-semanais;
j) Mais de um empréstimo pode ser concedido, simultaneamente, ao mesmo tomador;
k) Os empréstimos são sempre vinculados a planos de poupança para os tomadores, obrigatórios e voluntários, ;
l) Geralmente esses empréstimos são concedidos por instituições sem fins lucrativos, ou por instituições cuja propriedade é controlada, na sua maioria, pelos próprios tomadores. O "Grameencredit" procura operar a uma taxa de juros o mais próximo possível dos juros do mercado local, cobrando a taxa básica (no Brasil seria a taxa SELIC), não a taxa cobrada pelos emprestadores tradicionais. As operações do "Grameencredit" devem ser auto-sustentáveis.
m) A prioridade do "Grameencredit" é construir o "capital social". Isso é obtido pela criação de grupos e centros, destinados a desenvolver lideranças. O "Grameencredit" dá uma ênfase toda especial à "formação do capital humano" e à proteção do meio-ambiente.

Grameencredit é baseado na premissa de que os pobres têm habilidades que não serão utilizados ou subutilizados. Definitivamente, não é a falta de habilidades que fazem os pobres mais pobres. Grameen acredita que a pobreza não é criada pelos pobres, ela é criada pelas instituições e políticas que os cercam. A fim de eliminar a pobreza tudo o que precisamos fazer é fazer mudanças apropriadas nas instituições e políticas, e / ou criar novos. Grameen acredita que a caridade não é uma resposta à pobreza. Ela apenas ajuda a pobreza para continuar. Ela cria dependência e tira a iniciativa individual para romper o muro da pobreza. Desencadear a energia e a criatividade em cada ser humano é a resposta para a pobreza.


76. A luta pela diversidade e contra a monocultura – Vandana Shiva

Nesses tempos de "limpeza étnica", em que as monoculturas se espalham pela sociedade e pela natureza, fazer as pazes com a diversidade logo se tornará um imperativo para a sobrevivência. As monoculturas são um componente fundamental da globalização cujas premissas são a homogeneização e a destruição da diversidade. O controle global das matérias primas e dos mercados fazem da monocultura algo necessário. Esta guerra contra a diversidade não é algo novo. A diversidade vem sofrendo ataques sempre que se tornou um obstáculo. A violência e a guerra originam-se na atitude de tratar a diversidade como uma ameaça, uma perversão, uma fonte de desordem. A globalização transforma a diversidade numa doença e numa deficiência, porque não pode ser posta sob um controle centralizador.
A homogeneização e a monocultura introduzem a violência em vários níveis. As monoculturas estão sempre associadas à violência política - ao uso de coerção, controle e centralização. Sem um controle centralizador e força coercitiva, este mundo repleto de um tesouro de diversidade não poderia ser transformado em estruturas homogêneas, e as monoculturas não poderiam ser mantidas. Comunidades e ecossistemas auto-organizados e descentralizados geram diversidade. A globalização dá origem a monoculturas controladas coercitivamente.
As monoculturas estão também associadas à violência ecológica - uma declaração de guerra à diversidade de espécies da natureza. Essa violência não só empurra as espécies para a extinção, mas também controla e mantém as mesmas monoculturas. Elas são vulneráveis e não-sustentáveis, e estão sujeitas ao colapso ecológico. A uniformidade significa que uma perturbação em uma parte do sistema é traduzida em perturbação nas outras partes. Em vez de ser contido, o desequilíbrio ecológico tende a ser amplificado. Do ponto de vista ecológico a sustentabilidade está ligada à diversidade, que provê a auto-regulação e multiplicidade de interações capazes de sanar desequilíbrios ecológicos em qualquer parte do sistema.[...]
O que acontece na natureza também acontece na sociedade. Quando uma homogeneidade é imposta a sistemas sociais diversificados através da integração global, uma região após a outra começa a se desintegrar. A violência inerente à integração global centralizada, por sua vez, gera violência entre suas vítimas. As condições da vida diária tornam-se cada vez mais controladas por forças externas e os sistemas locais de governo decaem; as pessoas agarram-se às suas identidades diversas como fonte de segurança num período de insegurança. Tragicamente, quando a fonte desta insegurança é tão remota que não pode ser identificada, povos distintos que viviam juntos em paz começam a olhar uns para os outros com temor. As marcas da diversidade tornam-se rachaduras de fragmentação; a diversidade torna-se então uma justificativa para a violência e a guerra [...]
Num mundo caracterizado pela diversidade, a globalização só pode ser implantada destruindo-se o tecido plural da sociedade, bem como sua capacidade de auto-organização. Gandhi via nessa liberdade de auto-organização política e cultural a base para a interação entre diferentes sociedades e culturas. "Quero que as culturas de todas as terras se espalhem o mais livremente possível, mas recuso-me a ser levado por qualquer uma delas", dizia ele.

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