Filosofia

O que podemos de chamar de ‘filosofia’ na Índia trata-se, na verdade, de uma especulação sensível e profunda sobre os pilares fundamentais da religião hinduísta. Organizada em 6 darshanas básicas (nyaya, vaiseshika, mimansa, vedanta, sankya e yoga), esse pensamento ainda teve as contribuições da escola materialista (carvaka), dos budistas, jainas e finalmente, dos pensadores modernos, como Gandhi e R. Panikkar. Aparentemente, a filosofia indiana se confundiria com a religiosidade, mas esse é um engano causado por leituras superficiais. A filosofia indiana tratou, na verdade, de investigar os discursos religiosos de modo a estabelecer teorias e metodologias sobre eles – ou mesmo, negá-los, se fosse necessário. Daí a razão pela qual os indianos obtiveram avanços significativos na área da metafísica e da linguagem, deixando de lado outras áreas. Como afirmamos antes, a filosofia indiana partia dos elementos míticos – como a reencarnação, por exemplo – e estabelecia discussões do tipo: como comprová-la, como percebê-la?; se ela existia, como funcionava? Alguns dos métodos desenvolvidos para investigar e/ou alcançar níveis diferenciados de consciência (como a yoga e a meditação) desenvolveram-se em níveis desconhecidos no ocidente, e são hoje objetos de análise da filosofia da mente e da neurofisiologia.
Nessa seleção veremos, pois, já no Rig-veda, uma das muitas variantes da idéia de criação do universo, e da existência de uma divindade criadora – no entanto, note-se a especulação ousada e profunda sobre a realidade onipotente da criação (ou do criador); no mundaka e no chandogya upanishads (séc. -7?), observamos a conclusão de um longo processo de análise dos tempos védicos sobre essa literatura religiosa, colocando em causa o entendimento do que seria a alma e o conhecimento; do shiva samhita (séc. +18?), uma definição do conceito fundamental de ilusão material (maya); no seguir, fragmentos das 6 darshanas básicas do hinduísmo (para entendê-las melhor, veja esse link); depois, a escola carvaka, tântrica, jaina e budista(com o fundamental discurso das 4 nobres verdades), todas do período aproximado dos sécs. – 7 a – 4; por fim, a reintepretação do pensamento indiano tradicional na ética satyagraha de Gandhi (1869-1948), a sophia perennis de Ananda Coomaraswamy (1877-1947), um dos fundadores de uma ‘teofilosofia’ que conjugava elementos de diversas tradições filosóficas e foi um dos pilares do esoterismo moderno (embora fosse um autor sério e de vasto conhecimento); a filosofia intercultural de R. Panikkar e o ecofeminismo social de Vandana Shiva, autora moderna que adaptou os ensinamentos de Gandhi à consciência ecológica e social para transformar a sociedade indiana.


13. Especulação cosmogônica no Rig veda

"Não havia então não-existência nem existência; não havia o reino do ar nem o firmamento por trás dele.
O que protegia e onde? e o que dava abrigo? Estava ali a água, a desmedida profundidade da água?
Não havia morte então, nem havia algo imortal; não havia sinal ali, o divisor do dia e da noite.
Aquela Coisa Una, sem vida, vivia por sua própria natureza; além dela nada mais havia.
As trevas lá estavam; a princípio escondido nas trevas Tudo era um caos indiscriminado.
Tudo que existia então era vazio e informe. Mas pelo grande poder do Calor nasceu aquela Unidade.
A seguir, surgiu o Desejo no começo, o Desejo, a semente e o germe primordial do Espírito.
Os sábios que buscavam com o pensamento de seus corações descobriram o parentesco do existente no não-existente.
Transversalmente estava estendida uma linha de separação: o que, então, havia acima e abaixo dela?
Havia progenitores, havia forças poderosas, ali havia ação livre e energia mais além.
Quem verdadeiramente conhece e quem pode aqui declarar de onde nasceu e de onde veio essa criação?
Os deuses são posteriores a essa produção do mundo. Quem sabe então como se originou?
Ele, a primeira origem da criação, formou tudo ou não formou.
Na verdade, Ele, cujo olho vela pelo mundo nos altos céus, sabe ou talvez não saiba."


14. O Conhecimento superior, no mundaka upanishad

DO INFINITO OCEANO da existência surgiu Brahman, primogênito e o primeiro entre os deuses. Dele jorrou o Universo, e ele se tornou seu protetor. O conhecimento de Brahman, alicerce de todo conhecimento, ele revelou a seu filho primogênito, Atharva.
Atharva, por sua vez, ensinou esse mesmo conhecimento de Brahman a Angi. Angi ensinou-o a Satyabaha, que o revelou a Angiras.
Certa vez, Sounaka, o famoso chefe de família, dirigiu-se a Angiras e perguntou-lhe respeitosamente:
"Sagrado senhor, o que é aquilo através do qual todo o resto é conhecido ?"
"Aqueles que conhecem Brahman ", replicou Angiras, "dizem que existem dois tipos de éonhecimento, o superior e o inferior.
“O inferior é o conhecimento dos Vedas (O Rig, O Sama, O Yajur e o Atharva), e também o conhecimento da fonética, dos cerimoniais, da gramática, da etimologia, da métrica e da astronomia”.
“O mais elevado é o conhecimento daquilo através do qual se conhece a realidade imutável. Através disso, é totalmente revelado aos sábios aquilo que transcende os sentidos, que não tem causa, que é indefinível, que não tem olhos nem ouvidos, nem mãos nem pés, que tudo permeia, que é mais sutil do que o mais sutil - o que dura eternamente, a origem de tudo”.
“Como a teia vem da aranha, como as plantas crescem do solo e o cabelo do corpo do homem, assim jorra o Universo do eterno Brahman”.
"Brahman quis que fosse assim, e extraiu de si mesmo a causa material do Universo; disso veio a energia primordial; e da energia primordial a mente; da mente os elementos sutis; dos elementos sutis os diversos mundos; e de ações realizadas por seres nos diversos mundos a cadeia de causa e efeito - a recompensa e punição das ações”.
"Brahman tudo vê, tudo sabe; ele é o próprio conhecimento. Dele nascem a inteligência cósmica, o nome, a forma, e a causa material de todos os seres criados e das coisas."


15. A discussão sobre a natureza dos seres, nos Upanishads

Quando Svetaketu tinha doze anos de idade, seu pai Uddalaka lhe disse: "Svetaketu, agora deves ir para a escola e estudar. Ninguém da nossa família, meu filho, é ignorante a respeito de Brahman."
Conseqüentemente, Svetaketu procurou um mestre e estudou por doze anos. Depois de decorar todos os Vedas, voltou para casa cheio de orgulho com seu aprendizado.
Seu pai, percebendo a vaidade do jovem, disse a ele: "Svetaketu, pediste aquele conhecimento pelo qual ouvimos o que não é audível, pelo qual percebemos o imperceptível, pelo qual conhecemos o incognoscível?"
"O que é esse conhecimento, senhor?", perguntou Svetaketu. "Meu filho, do mesmo modo como ao se conhecer um monte de barro, todas as coisas feitas de barro são conhecidas, havendo a diferença apenas no nome e surgindo da fala, sendo verdade que todas são de barro; do mesmo modo como ao se conhecer uma pepita de ouro, todas as coisas feitas de ouro são conhecidas, estando a diferença apenas no nome e surgindo da fala, sendo verdade que todas são ouro - exatamente assim é aquele conhecimento que, conhecendo-o, conhecemos tudo."
"Com toda a certeza, meus veneráveis mestres ignoram esse conhecimento; pois, se o possuíssem, tê-lo-iam ensinado a mim. Ensinai-me então, senhor, esse conhecimento."
"Assim seja", disse Uddalaka, e continuou então:
"No início havia a Existência, apenas Um, sem segundo. Alguns dizem que no início havia apenas a não-existência, e que dela nasceu o Universo. Porém, como poderia ser tal coisa? Como poderia a existência nascer da não-existência? Não, meu filho, no início havia apenas a existência - somente Um, sem que houvesse outro. Ele, o Uno, pensou: Serei muitos, expandir-me-ei. Assim, projetou o Universo a partir de si mesmo, e entrou dentro de cada ser e de tudo. Tudo o que existe possui o seu ser somente nele. Ele é a verdade. Ele é a essência sutil de tudo. Ele é o Eu. E isso, Svetaketu, ISSO ÉS TU."
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu."
[...]
"Assim seja. Traze uma fruta daquela árvore Nyagrodha." "Aqui está, senhor." "Parte-a."
"Está partida, senhor."
"O que vês?"
"Algumas sementes, extremamente pequenas, senhor."
"Parte uma delas."
"Está partida, senhor."
"O que vês?"
"Nada, senhor."
"A essência sutil tu não a vês, e nela está o todo da árvore Nyagrodha. Acredita, meu filho, que naquilo que é a essência sutil - todas as coisas têm sua existência. Aquilo é a verdade. Aquilo é o Eu. E aquilo, Svetaketu, AQUILO ÉS TU!"
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu."
"Assim seja. Coloca este sal na água, e volta aqui amanhã pela manhã." Svetaketu fez como lhe foi solicitado. Na manhã seguinte, seu pai pediu-lhe para trazer o sal que havia colocado na água. Porém, ele não pôde fazê-Io porque o sal se havia dissolvido. Uddalaka então disse:
"Prova a água e dize-me que gosto ela tem."
"Está salgada, senhor."
"Do mesmo modo", continuou Uddalaka, "embora não vejas Brahman neste corpo, na verdade ele está aqui. Naquilo que é a essência sutil - todas as coisas têm sua existência. Aquilo é a verdade. Aquilo é o Eu. E aquilo, Svetaketu, AQUILO ÉS TU."


16. O que é Maya (ilusão)? Shiva Samhita

Alguns louvam a verdade, outros a purificação e a ascensão; alguns louvam o perdão, outros a igualdade e sinceridade.
Alguns louvam a entrega da alma, outros louvam sacrifícios feitos em honra aos seus ancestrais; alguns louvam a ação (karma), outros acham que a indiferença (vairagya) é melhor.
Algumas pessoas sábias louvam o desempenho do dever doméstico, outros justificam o obstáculo do sacrifício do fogo como o mais elevado.
Alguns louvam o Mantra Yoga, outros freqüentam os lugares de peregrinação. Assim são os caminhos que as pessoas declaram ‘emancipações’.
Sendo desse modo diversamente comprometidos nesse mundo, mesmo aqueles que tranqüilamente sabem quais ações são boas e quais são más, ainda que livres de pecado, ficam submetidos à confusão.
As pessoas que seguem essas doutrinas, tendo cometido ações boas e más, constantemente perambulam pelos mundos, nos ciclos de nascimentos e mortes, amarrados pela extrema carência.
Outros, mais sensatos entre muitos, e impulsivamente devotados à investigação do oculto, declaram que as almas são muitas e eternas, e onipresentes.
Outros dizem "Apenas as coisas que podem ser ditas são aquelas percebidas através dos sentidos, e nada além disso; onde está o céu ou inferno?" Tais são suas sólidas crenças.
Outros acreditam que o mundo seja um fluxo de consciência e sem entidade material; alguns chamam o vazio como sendo o maior. Outros acreditam em duas essências: matéria (Prakriti) e espírito (Purusha).
Desse modo, acreditando em doutrinas amplamente diferentes, como os desviados do objetivo supremo, eles pensam, de acordo com suas compreensões e formações, que esse Universo não tem Deus; outros acreditam que há um Deus, baseando suas afirmações sobre vários argumentos irrefutáveis, fundamentados em textos declarando diferenças entre a alma e Deus, e ansiosos para instituir a existência de Deus.
Estes e muitos outros homens cultos, com várias denominações diferentes, têm sido declarados nos Shastras como líderes da mente humana imersa no engano (Maya). Não é possível descrever inteiramente as doutrinas dessas pessoas tão afeiçoadas à discórdia e disputa; as pessoas, dessa maneira, percorrem esse Universo sendo desviadas do caminho da emancipação.


17. Escola nyaya

A refutação, que se emprega para reconhecer a característica real do objeto é um raciocínio que revela as características mostrando o absurdo das propriedades contrárias.
A verificação consiste em rejeitar uma duvida e em precisar uma questão ouvindo os prós e os contras.
A discussão é a adoção de uma dentre duas posições opostas. Aquilo que se obtém é analisado sob a forma de cinco membros e defendido coma ajuda de um dos meios do verdadeiro conhecimento, enquanto que a posição contrária é atacada pela reputação, sem qualquer desvio dos axiomas estabelecidos.
A disputa que procura vencer (o adversário) é a defesa ou o ataque de uma proposição pelo modo indicado acima: por jogos de palavras, futilidades e outros processos que merecem condenação.
A percepção, a dedução, a comparação e ao testemunho oral; eis os meios legítimos para alcançar o conhecimento.


18. Escola vaiseshika

O eterno é aquilo que existe e existe sem causa.
O efeito é o sinal da existência do último átomo.
A existência (da cor) no efeito (decorre) de (sua) existência na causa.
O não –eterno só se explica pela negação do eterno.
Será um erro supor que o ultimo átomo seja não-eterno..
[...]
A prova da existência da alma não vem só da revelação, mas da impossibilidade de aplicar a palavra EU a outros objetos.


19. Escola mimansa – por Kumarila

A fala de alguns idealistas afirma a "verdade aparente" ou "verdade provisória da vida prática", ou seja, em sua terminologia de Samvritti-satya. No entanto, em seu próprio ponto de vista, não há realmente nenhuma verdade nesta "verdade aparente"; qual é o sentido de pedir-nos para olhar para ela como alguma marca especial de verdade como se ela o fosse? Se há verdade nisso, por que chamá-la de falsa em tudo? E, se ela é realmente falsa, por que chamá-lo de um tipo de verdade aparente? Verdade e falsidade, sendo mutuamente exclusivas, não pode possuir qualquer fator chamado de "verdade" como pertencendo em comum a ambos - não mais do que não pode por qualquer fator comum chamar de 'arbóreo' coisas como a árvore e o leão, que são mutuamente exclusivas. Na suposição do próprio idealista, essa "verdade aparente" nada mais é que um sinônimo para a 'falso'. Por que, então, ele usa esta expressão? Porque serve para ele um propósito muito importante. É a propósito de uma brincadeira verbal. Isso significa falsidade, embora com um ar tão pedante sobre ele que pode sugerir algo aparentemente diferente, por assim dizer. Este é na verdade um truque bem conhecido. [...] Em vez de jogar tais truques verbais, portanto, deve-se falar honestamente. Isto significa: deve-se admitir que o que não existe, não existe, e o que existe, existe, no sentido pleno. Este último é o único verdadeiro e o falso anterior. Mas o idealista não pode se dar ao luxo de fazer isso. Ele é obrigado, em vez disso, a falar de "duas verdades", sem que isso faça sentido.


20. Escola vedanta – por Shankara

Por causa d’Aquele é que desde o ego até o corpo, os objetos dos sentidos, o prazer e as demais sensações são bem conhecidas, igual que se conhece um a jarra ao apalpá-lo; porque Aquele é a essência do conhecimento eterno.
Este é o Ser mais íntimo, o Purusha (Ser) primário; Sua natureza é estar estabelecido na bem-aventurança infinita, Sua existência não varia nunca; no entanto, se reflete nas diferentes modificações mentais. Por Seu mandato, os diferentes órgãos e pranas, cumprem suas funções.
Neste mesmo corpo, na mente sáttvica (pura), na câmara secreta do intelecto há um espaço, conhecido como o não- manifestado. Ali, o Atman, de beleza extraordinária, brilha como o sol e manifesta este universo por Sua própria refulgência.
O conhecedor das manifestações da mente, ego, atividades do corpo, órgãos e pranas, aparentemente toma a forma deles, como o fogo toma a forma de um a bola de ferro candente. Mas Ele não atua nem está sujeito à mudança alguma.
Não nasce, nem morre, não cresce, nem envelhece, sendo eterno não sofre mudança alguma. Não deixa de existir mesmo quando este corpo é destruído. Por ser independente, permanece igual como o espaço depois da destruição da jarra.
O Ser Supremo é diferente da prakriti (origem do universo), e suas modificações. Ele é Absoluto, Sua natureza é o conhecimento puro; manifesta diretamente este universo, denso e sutil, nos três estados de vigília, etc.,como base do persistente sentido do ‘eu’.
Também se manifesta como testemunha do intelecto, que é a faculdade determinativa.
Pela mente controlada e o intelecto purificado, realize diretamente teu próprio Ser e assim identificando-te com Ele, cruze o imenso oceano de samsara (o que se move constantemente; este universo), cujas ondas são o nascimento e a morte e estabelece- te em Brahman, que é tua própria essência e seja bem- aventurado.


21. Escola yoga, por Patanjali

A concentração denominada conhecimento direto é a que é seguida pelo raciocínio, pela discriminação, pela bem-aventurança e pelo egoísmo inqualificado.
Existe ainda outro Samadhi que é atingido pela prática da suspensão de qualquer atividade intelectual e no qual a Chitta apenas retém impressões não-manifestadas.
Os diversos processos para atingir o Samadhi
O Samadhi (quando não é seguido por um extremo desprendimento) torna-se a causa da re-manifestação dos deuses e daqueles que mergulharam na natureza.
Para outros, (o Samadhi) é atingido através da fé, da energia, da memória, da concentração e da discriminação da realidade.
Para os que são extremamente enérgicos, a vitória é rápida.
Para os Yoguis esta vitória varia e depende dos meios empregados, segundo sejam brandos, médios ou extremos.
Também a devoção a Isvara pode ser uma causa. [...]
A enfermidade, a preguiça mental, a dúvida, a falta de entusiasmo, a letargia, a tendência para os prazeres dos sentidos, a falsa percepção, a impossibilidade de atingir um perfeito estado de concentração e a facilidade de perdê-lo, uma vez atingido, são as distrações que obstruem.
O sofrimento, a angústia mental, o tremor do corpo, a respiração irregular, acompanham a não-retenção de um perfeito estado de concentração.
Para corrigir este estado (é preciso) que o sujeito se exercite.
Na amizade, na piedade, no contentamento e na indiferença os quais, sendo concebidos com relação a sujeitos felizes e infelizes, bons e maus, respectivamente, pacificam a Chitta.
Em soltar e reter a respiração.
Nessas formas de concentração que provocam extraordinárias percepções nos sentidos e que são a causa de perseverança da mente.
Também na meditação da Luz Refulgente, que está acima de toda tristeza.
Também na meditação sobre o coração que renunciou a todo apego aos objetos dos sentidos.
Também na meditação sobre o conhecimento que vem a nós no sono.
Também na meditação sobre qualquer coisa que nos pareça boa.
A mente do Yogui que assim meditar passa, sem impedimento, do atômico para o infinito.
O Yogui que, dessa maneira, tiver tornado impotentes os Vrittis, que os tiver (controlado), alcança, tanto no receptáculo, instrumento, no receber, como no recebido (o Ser, a mente, os objetos externos), completa concentração e igualdade, como o cristal (diante de objetos de diferentes cores).
O som, o sentido e o conhecimento resultantes, unidos, constituem o chamado Samadhi “com-interrogação".
O Samadhi denominado “sem-interrogação" vem quando a memória é purificada ou esvaziada de qualidades e exprime apenas o sentido do objeto meditado.
Por esse processo também se explicam (as concentrações) com discriminação e sem discriminação, cujos objetos são, mais sutis.


22. Escola sankhya

O conhecimento de objetos que ultrapassam o sensível provém de uma dedução fundada na analogia, quanto ao conhecimento incontrolável (obscuro) e que não pode ser obtida desse modo. Ela é adquirida por um testemunho válido.
Deve-se a não percepção (natureza primeira) à sutileza e, de modo nenhum, à não existência, pois seria possível reconhecê-la pelos efeitos. O intelecto e as demais (faculdades) são efeitos ao mesmo tempo semelhantes e dessemelhantes com (sua causa) a natureza.
O efeito existe (mesmo antes da operação da causa), pois o que não é existente não poder ser levado à existência pela operação de uma causa, visto que o agente (causa) produz (apenas) aquilo (que é capaz de produzir) , e visto que o efeito não difere da causa.
Aquilo que se deduz é composto de 3 elementos, não discriminados, objetivos, generosos, não inteligentes e produtivos. O não deduzido, o espírito, embora semelhante, é (no entanto) contrário (desses elementos).
Os ditos elementos tem a ver com o prazer, o sofrimento e indiferença. Servem para iluminar, mover e dominar. Cada um deles atua por supressão, cooperação, transformação, e com relação intima com e para o resto.


23. Escola carvaka

Se você objetar que não há tal coisa como felicidade em um mundo futuro, então por que os homens de experiência e sabedoria se envolvem na oferta sacrificial ao fogo e a outros fenômenos, que só podem ser realizados com grande gasto de dinheiro e fadigas corporais? Infelizmente, a objeção pura e simples a isso não pode ser aceite como qualquer prova em contrário, já que as oferendas são úteis apenas como meios de subsistência.
O Veda é contaminado pelas três falhas da mentira, auto-contradição e tautologia. Os impostores que se dizem eruditos védicos são mutuamente destrutivos, e a autoridade do capítulo sobre o conhecimento, por exemplo, é derrubado por aqueles que mantém a autoridade do capítulo sobre a ação. Por outro lado aqueles que defendem a autoridade do capítulo sobre o conhecimento querem rejeitar a ação. Por último, os três Vedas em si são apenas as rapsódias incoerente de patifes, e para esse efeito corre o ditado popular: 'Os sacrifícios, os três Vedas, o asceta de três varas, manchando-se com as cinzas-Brhaspati diz que estes são apenas meios de subsistência para aqueles que não têm hombridade nem sentido'.
Daí segue-se que não há inferno que não seja a dor mundana produzida por causas puramente mundanas, como espinhos, e assim por diante. O ser supremo é apenas o monarca terreno, cuja existência é comprovada por toda a visão do mundo. E a única libertação é a dissolução do corpo. Mantendo a doutrina de que a alma é idêntico com o corpo, frases como "Eu sou magra", ou "eu sou negro", são ao mesmo tempo inteligíveis como atributos do corpo de magreza ou escuridão. De uma forma similar, a auto-consciência vai residir no mesmo assunto.


24. Escola tântrica – Kulavarna Tantra

Neste mundo são incontáveis as massas de seres sofrendo toda forma de dor. A velhice espreita como uma tigresa. A vida se esvazia como se fosse a água de um pote quebrado. A doença mata como os inimigos. A prosperidade é apenas um sonho; a juventude é como uma flor. A vida é vista e se vai como o relâmpago. O corpo nada mais é que uma bolha d'água. Como então alguém pode saber disso e mesmo assim permanecer satisfeito? O Jivatma passa pelos lakhs de experiência, entretanto somente como ser humano ele pode obter a verdade. É com grande dificuldade que se nasce ser humano. Portanto, é um suicida aquele que, tendo obtido um excelente nascimento, não sabe o que é para seu bem. Há alguns que tendo bebido o vinho da ilusão estão perdidos em buscas terrenas, não percebem o vôo do tempo e não são comovidos pela visão do sofrimento. Há outros que caíram no poço profundo das Seis Filosofias - adversários fúteis lançados ao deslumbrante oceano dos Vedas e Shastras. Eles estudam dia e noite e aprendem palavras. Alguns ainda, fascinados pelo conceito, falam do pensamento humano de forma nenhuma percebendo-o. Meras palavras e conversa não podem dispersar a ilusão do errante. A escuridão não é dispersada pela menção da palavra 'candeeiro' . O que há então há fazer? Os Shastras (escrituras) são muitos, a vida é curta e há milhões de obstáculos. Portanto, que a essência deles seja compreendida, assim como o Hamsa (o cisne divino) separa o leite da água com a qual estava misturado."


25. Escola jaina

Crença correta, conhecimento e conduta - são o caminho para a libertação.
A crença correta ou convicção nas coisas é apurá-las tais como elas são.
Isto é alcançado a partir da intuição interna e de fontes externas.
Os princípios são os de autoconhecimento, bloqueio, e derramamento de pendências cármicas, e libertação do eu.
Aspectos destes são atributos de nomes ou representações, atributos ausentes, e os atributos presentes.
[...]
As cinco metas são: ser livre da falsidade, ferimentos, roubo, falta de castidade e apego mundano.
Os cinco passos para a meta da liberdade são a preservação de expressão, a preservação da mente, o cuidado em andar, o cuidado no levantamento e estabelecimento das coisas, e preparar adequadamente os alimentos e uma bebida.
Os cinco passos para a meta de liberdade da falsidade estão dando a ira, ganância, medo e frivolidade, e falando de acordo com as injunções ou textos.


26. Escola budista

Quais são as quatro nobres verdades? Eles são a verdade sobre a imperfeição, impermanência, sofrimento e, a verdade sobre sua origem, a verdade sobre a sua cessação, a verdade sobre o caminho que conduz à cessação da imperfeição e impermanência e sofrimento.
A Primeira Verdade. O mundo está cheio de impermanência, imperfeição e sofrimento. Doença de nascimento, velhice, morte revelam a nossa impermanência e da imperfeição. O nascimento é sofrimento, a vivência é sofrimento, doença e morte são sofrimento. Tristeza, dor e desespero são sofrimento; a desejar o que não se pode ter é o sofrimento.
Para os seres sujeitos ao nascimento, velhice, doença, morte, tristeza, desespero sofrimento, lamentação, tristeza, surge o desejo de que estes nunca poderiam vir até nós. Mas isso não pode ser obtido por desejar. Isto é o que se entende por dizer: "Desejar o que não se pode ter é o sofrimento."
Isso é chamado a nobre verdade do sofrimento.
A causa da impermanência humana, imperfeição e sofrimento é, sem dúvida, encontrado na sede do corpo físico e nas ilusões das paixões mundanas. É o desejo de juntar-se ao prazer e encontrar prazer em cada desejo, ou seja, desejo de prazer sensual, desejo de existência permanente desejo, de existência transitória. [...]
Isso é chamado a nobre verdade da origem do sofrimento.
Se o desejo, que está na raiz de toda a paixão humana, puder ser removido, em seguida, a paixão vai morrer e o sofrimento humano estará terminado. A saída completa para e cessação deste desejo é necessária, é um desistir, manter uma perda, um abandono, a realização de desapego.
Mas onde esse desejo é feito para diminuir e desaparecer? Onde pode ser quebrado e destruído? Onde tudo é delicioso e agradável aos homens, há o desejo feito para diminuir e desaparecer, e não pode ser quebrado e destruído. O olho é delicioso e agradável aos homens, há o desejo feito para diminuir e desaparecer, mas não pode ser quebrado e destruído. Assim também com os demais órgãos dos sentidos, os objetos dos sentidos, sentidos e consciência, contatos, sensações, percepções, pensamentos, desejo, raciocínio e reflexão. Em todo o desejo estes podem ser feito para diminuir e desaparecer, mas não podem ser quebrados e destruídos.
Isso é chamado a nobre verdade da cessação do sofrimento.
Para entrar em um estado onde não há desejo nem sofrimento, deve-se seguir o verdadeiro Caminho.


27. Filosofia do movimento satyagraha de Gandhi

Nós podemos ter que ir para a cadeia, onde seremos insultados. Nós podemos ter que passar fome e sofrer de calor ou frio extremos. Trabalho duro pode ser imposto sobre nós. Podemos ser açoitados por guardas rudes. Podemos ser multados pesadamente e nossa propriedade pode ser anexada e levada a leilão se houver apenas uns poucos residentes. Hoje opulentos, podemos ser reduzidos para amanhã a pobreza abjeta. Nós podemos ser deportados. Quem sofre de fome e dificuldades semelhantes na prisão, alguns de nós podem adoecer e até morrer. Em resumo, portanto, não é de todo impossível que possamos ter de suportar todas as dificuldades que podemos imaginar, e sabedoria reside em nos comprometermos nós mesmos no entendimento de que teremos de sofrer tudo o que é pior.
Se alguém me pergunta quando e como a luta pode terminar, posso dizer que, se toda a comunidade corajosamente resiste ao teste, o fim estará próximo. Se muitos de nós cairmos sob tempestade e stress, a luta será prolongada. Mas eu posso declarar com ousadia, e com certeza, que enquanto há sequer um punhado de homens fiéis a sua promessa, só pode haver um fim à luta, e que é a vitória...
[...]
Nenhum de nós sabia que nome dar ao nosso movimento. Eu, então, usei a "resistência passiva" para descrevê-la. Eu não entendia muito bem as implicações da resistência passiva, como eu a chamava. Eu só sabia que algum novo princípio passou a existir. Como a luta avançasse, a frase "resistência passiva" deu origem à confusão. . . Um pequeno prêmio foi, portanto, anunciado no Indian Opinion a ser concedido para o leitor que inventou a melhor designação para a nossa luta. . . Shri Maganlal Gandhi foi um dos concorrentes e ele sugeriu a palavra " Sadagraha ", que significa" firmeza por uma boa causa ". Gostei da palavra, mas isso não representa totalmente a idéia que eu queria. Por isso corrigido para "Satyagraha ". Verdade (satya) implica amor e firmeza (agraha) e, portanto, serve como um sinônimo de força. Eu, assim, comecei a chamar o movimento indiano de "Satyagraha ", ou seja, a força que nasce da verdade e do amor ou da não-violência, e deu-se o uso da frase" resistência passiva ",. . .
[...]
A não-violência e covardia são termos contraditórios. Não-violência é a maior virtude e covardia, o contrário. Não-violência brota do amor, a covardia do ódio. Não-violência sempre sofre, a covardia sempre infligi sofrimento. Não-violência perfeito é a mais alta bravura. não-violência nunca é desmoralizante, a covardia sempre é.


28. A Sophia Perennis de Ananda Coomaraswamy – o que é a civilização?

Quanto a pergunta “o que é civilização?”, proponho contribuir com uma análise dos significados intrínsecos das palavras civilização, política e purusha. A raiz da palavra civilização é kei, como vemos na palavra grega keishitai e na palavra sânscrita si, ou, estar deitado, jazer, estar estendido, estar situado em algum lugar. Sendo assim, a cidade é uma ‘toca’, ou uma ‘cova’ em que o cidadão ‘arma a cama’ onde vai se deitar. Imediatamente perguntamos quem vive assim e tem essa economia. A raiz da palavra política é pla, como na palavra grega pimplemi e na sânscrita pur ou cidade, cidadela, fortaleza, do latim plenum (que em sânscrito é purnam), que também significa cheio e encher. As raízes de purusha são estas duas, por isso o significado intrínseco dessa palavra é cidadão, seja no sentido de homem (um homem, fulano de tal), seja no sentido de o homem (neste homem, e de modo absoluto); de qualquer modo, purusha é a pessoa que pode ser distinguida (pelos seus próprios poderes de visão e compreensão) do homem animal (pasu), que é governado pela ‘fome e sede’ que sente.
No pensamento de Platão há um acidade cósmica do mundo, o estado cidade e um corpo político de indivíduos: são todos comunidades (do grego koinonia e do sasncrito gana). ‘encontraremos o mesmo número de castas (em grego genos e em sânscrito jati) na cidade e na alma (ou no eu) de cada um de nós’.


29. Filosofia intercultural de Raimon Panikkar

Digo com outras palavras. Cada filosofia emerge do seio de uma cultura, e ao mesmo tempo, questionando seus alicerces, está em posição de transformá-la. De fato, toda mudança cultural profunda surgiu de uma atividade filosófica; se tem dito repetidamente que os filósofos, ainda que com defasagens cronológicas, são os que influem majoritariamente nos destinos da história. Esse caráter radical da filosofia faz com que se alimente um subsolo em que estão enraizadas, também, outras culturas. Queremos dizer que um estímulo de pensar filosófico provém de seu contato subterrâneo com outras raízes. Ou, mudando drasticamente de metáfora, será transcultural o transporte de sementes distantes que se deixa cair nas cavilhas do filósofo (sem esquecer a ironia e o humor escondidos neste cavilhar – uma filosofia sem humor perde o húmus que a mantém lúcida e a preserva de envolver-se com o fanatismo). Ao intentar ser consciente de seu mito, a filosofia abre-se para a interculturalidade e assim desempenha sua tarefa transmissora, transformando a visão da realidade própria da cultura originária.


30. O pensamento de Vandana shiva

Segundo a sua análise, devemos abandonar a atual economia suicida e promove uma abordagem cultural que expresse “um enraizamento profundo na terra e nas especificidades do lugar em que se origine, mas também um sentimento de solidariedade por todo o gênero humano, uma consciência universal”. Alguém poderia observar que, na prática, trata-se de objetivos opostos, porque o amparo da especificidade contradiz o chamado à solidariedade universal. Como responderia a essa objeção?

Responderia que é muito simples, diria inevitável, conciliar as duas dimensões: todos nós habitamos um único planeta, e isso significa que a “terra” é a mesma, mas ao mesmo tempo cada um provém de um lugar particular, de um “terreno” específico. É uma herança da filosofia reducionista a idéia de que se façam oposições do tipo “isso ou aquilo”. Quanto a mim, minha formação na teoria quântica, que exclui a idéia de que existam elementos incompatíveis e reciprocamente alternativos em favor de uma concepção baseada na conjugação “e”, me leva a crer que se pode dispor de uma identidade profundamente local, enraizada no vale do Himalaia, onde nasci e cresci, e ao mesmo tempo completamente planetária, e que essas duas formas de identidade sejam mantidas juntas sem contradições. Os recentes atentados terroristas de Mumbai também são fruto da erosão das formas de identidade múltiplas às quais me refiro. Aqueles que são vulneráveis e “disponíveis” a ser alistados, pagos ou explorados pelos extremistas do momento para cumprir ações de terrorismo são aqueles que foram afastados à força da sua terra, que foram considerados supérfluos e “excedentes” com relação às próprias sociedades; ou aqueles que foram mobilizados e recrutados por meio da construção fictícia de identidades que se excluem umas às outras em base à oposição “ou isto ou aquilo”. Na realidade, nunca ocorre “ou isto ou aquilo”, mas sempre um “isto e aquilo”: só conseguiremos nos desvincular da herança das identidades incompatíveis cultivando a nossa responsabilidade com relação ao lugar particular de onde proviemos e junto com a consciência de que somos parte de uma humanidade comum, que compartilha o mesmo planeta.

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